Tuesday, March 28, 2006

Nilton Pinho, Recuperador e Intérprete



Há uma carga afetiva, emocional e conceitual em em todos os objetos que nos cercam. Desde o primeiro machado de pedra, desde o bíface paleolítico até as mais requintadas formas criadas para a fruição estética e sensorial que a civilização e a cultura puderam produzir, essa afirmação é de uma obviedade irritante. Eles, os objetos _ dos mais imediatamente utilitários até os perfeitamente sem função, da perna mecânica que tenta ser algo perdido do nosso corpo até o pequeno marfim chinês que apenas alegra os nossos olhos ou nossos dedos _ são a nossa vestimenta mais vasta e os fósseis indiferentes da nossa passagem pela Terra.

É com essa matéria-prima estranha e banalíssima qu a arte da assemblage essa que tem em Nilton Pinho um de seus mestres no Brasil _ se materializa. Arqueólogo de nossa ignorada história, salvador das relíquias desamparadas dos nossos sonhos, Nilton Pinho percorre as feiras de antiguidades e os depósitos dos catadores de papel, os sacos de lona dos trapeiros e o grande cemitério de indícios humanos que a cidade gigantesca e alheia produz a cada dia, com os nossos restos , com o encontro inesperado e iluminador de duas ou mais coisas que nunca se contrariam, de resquícios nossos que desapareceriam antes que uma mão providencial os transfigurasse, cria um fenômeno novo, uma grande arte.As assemblages de Nilton Pinho não nescessitam de palavras justificativas, daí a inutilidade destas. A emoção contida nelas salta aos olhos dos que as encontram, e essa força expressiva intrínseca e contundente não depende das verbalizações críticas tão imprescindíveis nesse momento de fabulosa mistificação artística. As bonecas degoladas, as fotos de lares desfeitos pela morte ou pela vida, as roupas sem dono, as molduras vazias e as luvas que sonham com dedos desfeitos, tudo renasce, pelas mãos do artista, em um outro sonho e em um presente salvador. O passado penetra no tempo unânime, o futuro se desfaz no átimo de eternidade que há em toda obra de arte, e todos podemos sentir, com uma alegria insólita, algo de perene e vivo em pleno seio das nossas perdas.

Alexei Bueno, poeta

Interior do Ateliê